TEXTOS

ALQUIMIA E ARTE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Sérgio Nunes de Morais

Hoje, quando se fala em alquimia, a grande maioria das reações é composta por olhares interrogativos e expressões assustadas – quando não amedrontadas –, cenhos franzidos, e comentários do tipo: "–Você está mexendo com essas coisas?!", "–Ah, mas alquimia é uma coisa meio antiga, não?!", "–Magia Negra?!", "–Alquimia não existe mais...", "–Quê isso! Você ficou louco?!" Na esfera "positiva", os comentários se estendem para: "–Eu conheço um alquimista, ele mora ali na Guajajaras com Tupis e não conversa com ninguém"; "–Meu médico trabalha a nível alquímico, ou seja, hortomolecular, e eu estou fazendo uma dieta com metais e frutas". No domínio das artes plásticas a coisa não fica muito diferente; a alquimia é geralmente confundida com uma espécie de "química sofisticada", quando não com uma "química pessoal", cujo "processo" parece ser, para o artista, satisfatório desde que ele manipule ácidos para corroer chapas de metal ou cole uma folha de ouro sobre a superfície de seu trabalho. No mais, parece que, para as pessoas em geral, qualquer médico homeopata ou dono de restaurante natural já traz "uma certa carga alquímica no olhar". Agora sem defesa, a "alquimia" é usada por qualquer um e para qualquer fim, tendo chegado a um nível de vulgarização semelhante àquele em que chegou a "arte" e os produtos dela derivados. Ninguém se dá ao "penoso" trabalho de ler algum livro sério sobre a ciência hermética; e, quando se dá – talvez por alguma espécie de revanche pelo que não entendeu –, torna-se imediatamente um "alquimista" e define logo a sua causa: "–É que eu faço alquimia mais a nível comportamental".

O que é realmente a alquimia? Disse Jacob Böhme: "Não há diferença alguma entre o nascimento eterno, a reintegração e a descoberta da pedra filosofal." Para aqueles que entendem – no sentido alquímico – a expressão "nascimento eterno" e a palavra "reintegração" fica tudo bem claro, pelo menos quanto a uma possível definição do "objetivo" dos alquimistas. Mas a alquimia, que tem uma doutrina assentada em sólidas bases (doutrina que, da mesma forma, se vulgarizou em fórmulas e receitas práticas para penúria dos crédulos e proveito dos charlatães), teve também um início e um apogeu históricos, desaparecendo por completo a partir do século XVII. No entanto, ainda hoje encontramos, paradoxalmente – se assim podemos dizer –, figuras enigmáticas de mestres herméticos. Teria realmente desaparecido a Arte Régia? Ou teriam, os seus adeptos, preferido disfarçar--se no mundo de hoje, onde o número dos que não sabem se alarga quase à totalidade? Se a alquimia se extinguiu, como explicar, por exemplo, o surgimento, em nosso século, de uma figura tão admirável quanto a de Fulcanelli – o enigmático autor de As Mansões Filosofais* –, um dos mais célebres alquimistas de todos os tempos? Quem o reconhece como tal? Quem cuida das edições sucessivas de seu tratado – traduzido para várias línguas –, e quem recebe os direitos autorais?

Nós sabemos que grandes artistas – por exemplo J. D. Salinger – preferem o silêncio do anonimato ao ruído da fama e do reconhecimento público. "É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade", escreveu Fernando Pessoa. Talvez outros pensem acertadamente da mesma forma. Seja como for, a verdade é que Fulcanelli – que viveu e trabalhou na França, no início deste século – conseguiu dissimular completamente a sua identidade, desaparecendo por completo dos olhares do mundo por volta de 1929, data a partir da qual ninguém mais o viu – o que não significa, de forma alguma, que tenha "morrido" (como se apressam logo em concluir aqueles que são incapazes de sentar-se sequer por cinco minutos e pensar). Citemos mais um exemplo, de outra ordem, mas que é também claro e concreto: onde está Carlos Castaneda (autor de "A Arte de Sonhar", "O Fogo Interior", "O Poder do Silêncio", etc.), em cujos livros aparece a admirável figura de Dom Juan, e que foi um dos mais lidos e cobiçados autores dos anos 60 e 70? Castaneda parece não estar muito interessado no "mundo contemporâneo". Como ele próprio disse em uma recente entrevista secreta – que desembocou em livro –, preferiu disfarçar-se: mudou de identidade e, há muitos anos, desapareceu dos olhos do público, enqüanto continua escrevendo os seus livros e fazendo o seu trabalho com o seu grupo – cujos componentes também parecem não estar interessados em nenhuma publicidade. As edições dos livros de Castaneda esgotam-se rapidamente; seus admiradores esperam com ansiedade o surgimento de um novo título, que compram e devoram mal este chega às livrarias: sinal de que Castaneda tem um público amplo e fiel, que o admira independentemente das condições impostas pelo mundo da arte, mundo em cuja função os próprios artistas parecem estar, cada vez mais, se rendendo aos artifícios da publicidade. Talvez os grandes artistas do futuro, e mesmo de hoje, prefiram uma vida mais calma, mais sossegada, sem a efervescência fria e confusa de um reconhecimento público insensato. Talvez isto tenha acontecido (é o que parece) com os alquimistas: a decisão sóbria de se retirar dos olhos do mundo, de disfarçar-se, e de continuar, anonimamente, o seu trabalho. Artistas como Jan Vermeer, Lewis Carroll, Fernando Pessoa, Giorgio Morandi, Joseph Cornell e Marcel Duchamp foram assim, e, com certeza, outros que agora me escapam à memória. Este é não somente o caminho mais sóbrio, como também o mais bonito. E é por isto que eu gosto tanto de um texto de Fernando Pessoa intitulado "A Celebridade".

Indistinta e coerentemente classificada por seus autores como arte ou ciência, a alquimia está longe de se limitar – como pensam muitos – à tentativa (e mesmo à realização) da transmutação dos metais vis em ouro. No entanto, para o homem contemporâneo, cuja grande maioria parece crer na veracidade dos "fatos" contados pela História, tornou-se extremamente dificultosa a compreensão de tudo aquilo que não é moda no atual ciclo de sua civilização. "A tradição hermético-alquímica – escreve Julius Evola** – forma parte do ciclo da civilização pré-moderna, "tradicional". Para compreender o seu espírito temos que nos trasladar interiormente de um mundo a outro. Quem empreender o seu estudo, sem se ter situado numa posição donde possa superar a mentalidade moderna e despertar em si uma nova sensibilidade que o ponha em contacto com o tronco espiritual geral que deu vida a tal tradição, só conseguirá encher a cabeça de palavras, signos e alegorias extravagantes. Por outro lado, não se trata duma simples condição intelectual. Há que ter em conta o facto de o homem antigo não só ter um modo de pensar e sentir diferente, como também um modo distinto de perceber e conhecer." (...) "A relação do homem moderno médio com a natureza não é a predominante no "ciclo" pré-moderno, a que, junto a muitas outras, a tradição hermético--alquímica pertence. A natureza esgota-se hoje num conjunto de leis puramente pensadas acerca de diversos "fenômenos" – luz, eletricidade, calor, etc. – que desfilam perante nós, carentes de todo o significado espiritual, fixadas unicamente por relações matemáticas. Pelo contrário, no mundo tradicional, a natureza não era "pensada", mas sim vivida como um grande corpo animado e sagrado, "expressão visível do invisível". Os conhecimentos acerca dela eram dados por inspirações, intuições e visões, e transmitiam--se "iniciaticamente" como "mistérios vivos", referindo-se a coisas que hoje, que já se perdeu o seu sentido, podem parecer triviais e do domínio comum, como por exemplo a arte da construção, a medicina, o cultivo da terra, etc. O mito não era então uma ideação arbitrária e fantástica: procedia de um processo necessário, em que as forças que constituem as coisas actuavam sobre a faculdade plástica da imaginação, parcialmente difundida pelos sentidos corpóreos, até se dramatizarem em imagens e figuras que se insinuavam na trama da experiência sensorial e a completavam com um toque de "significado"." (...) "Estas possibilidades de percepção e de comunicação, esta aptidão para os "contactos", apesar do que hoje possa crer-se, não eram "lirismos", ênfase de excitações supersticiosas e fantásticas. Pelo contrário, faziam parte duma experiência tão real como a das coisas físicas. Mais concretamente: a constituição espiritual do homem das civilizações "tradicionais" era tal que toda a percepção física tinha simultaneamente uma componente psíquica, que a "animava" juntando à imagem nua um "significado" e ao mesmo tempo um especial e poderoso tom emotivo. Assim como a antiga "física" podia ser ao mesmo tempo uma teologia e uma psicologia transcendental: pelos lampejos que, através e por debaixo da matéria proporcionada pelos sentidos corporais, chegavam das essências metafísicas, e, em geral, do mundo supra-sensível. A ciência natural era simultaneamente uma ciência espiritual e os múltiplos sentidos dos símbolos reflectiam os diversos aspectos de um conhecimento único."
Especificamente em relação à alquimia, Evola declara: "Esta ciência não se adquire com os livros e com raciocínio." (...) "Mas quando se realiza o retorno a uma sensação amimada e "simbólica" daquilo que para os homens modernos se petrificou em termos de natureza morta e de conceitos abstractos por cima dela, dessa mesma realização deriva, ao mesmo tempo, o primeiro princípio do ensino hermético." (...) "Não se trata, portanto, neste caso, de uma teoria filosófica (hipótese da redutibilidade de todas as coisas a um princípio único), mas sim de um estado concreto, devido a uma certa supressão da lei de dualidade entre o Eu e o não-Eu e entre "dentro" e "fora", que salvo raros instantes domina a comum e mais recente percepção da realidade. Este estado é o segredo que nos textos recebe o nome de "Matéria da Obra", ou "Matéria prima dos Sábios", já que só partindo deste estado é possível "extrair" e "formar" "segundo o rito" e "a arte" tudo quanto, quer em termos espirituais, quer em termos de aplicação operativa ("em termos mágicos"), a tradição promete."

Esta distinção fundamental existente entre o homem antigo e o moderno se estende às Formas artísticas. Desde a Renascença – sobretudo a partir de meados do século XIX, ao passo que o artista se tornava socialmente independente – a arte esvaziou-se paulatinamente de sentido. Não é à toa que um artista tão admirável quanto Marcel Duchamp tenha denunciado fervorosamente o "retinianismo" em que ela caiu desde o movimento Impressionista. Duchamp é tão pouco compreendido quanto o foram, por exemplo, em suas respectivas épocas, Jan Vermeer e Leonardo da Vinci. Em relação a ele, parece que, tanto para a crítica quanto para a grande maioria dos artistas, as uvas estavam verdes. Hoje, alguns chegam ao ponto de "denunciá-lo" como o causador da grande confusão em que se encontra o mundo da arte contemporânea. "Essa confusão vem desde 1916, quando o francês Marcel Duchamp (1887-1968) pegou uma roda de bicicleta e a fixou em uma banqueta", comenta o enviado especial – cujo nome não é revelado – da Folha de São Paulo à Documenta de Kassel. Diga-se de passagem o ready-made "Roda de Bicicleta" data de 1913, e, em 1916, crítica e público ainda não davam a mínima atenção a esta vertente da obra de Duchamp.

Assim agoniza a arte contemporânea, em mostras internacionais que chegam ao nível do "entretenimento, esporte e lazer", divulgadas e comentadas por uma "crítica" anônima que não consegue acertar sequer as datas. Não foi diferente com a alquimia, confundida pelo público e pela História com "tentativa de fabrico artificial do ouro". A propósito, transcrevemos alguns trechos do admirável tratado (acima citado) de Fulcanelli: "De todas as ciências cultivadas na Idade Média, nenhuma, com toda a certeza, esteve mais em voga e foi tida em maior apreço do que a ciência alquímica. Era esse o nome sob o qual se dissimulava, entre os árabes, a Arte Sagrada ou Sacerdotal, que eles tinham herdado dos Egípcios e que o Ocidente medieval devia, em seguida, acolher com tanto entusiasmo." (...) "Nascida no Oriente, pátria do mistério e do maravilhoso, a ciência alquímica alastrou no Ocidente por três grandes vias de penetração: bizantina, mediterrânea, hispânica. Foi sobretudo o resultado das conquistas árabes. Esse povo curioso, estudioso, ávido de filosofia e de cultura, povo civilizador por excelência, forma o traço de união, a cadeia que liga a Antiguidade oriental à Idade Média ocidental." (...) "De começo tímida, hesitante, a alquimia toma pouco a pouco consciência de si mesma e pouco tarda em firmar-se. Tende a impor-se, e essa planta exótica, transplantada para o nosso solo, aclimata-se nele à maravilha, nele se desenvolve com tanto vigor que bem cedo a vemos desabrochar numa exuberante floração. A sua expansão, os seus progressos, têm algo de prodígio. Escassamente cultivada – e apenas na sombra das celas monásticas – no século XII, no século XIV propaga-se por toda a parte, irradiando em todas as classes sociais, onde brilha com o maior fulgor. Cada país proporciona à misteriosa ciência um viveiro de fervorosos discípulos, e cada condição social empenha--se em sacrificar-lhe. A nobreza e a alta burguesia praticam-na com ardor. Sábios, monges, príncipes, prelados, professam-na; até a gente dos ofícios e os pequenos artífices, ourives, gentis-homens vidreiros, esmaltadores, boticários, são tomados pelo desejo irresistível de manejar a retorta. Se não se trabalha às claras – a autoridade real acossa os assopradores (falsos ou pretensos alquimistas***), e os papas cominam--nos com excomunhão –, não se deixa de estudar à socapa. Procura-se avidamente o convívio dos filósofos, pretensos ou verdadeiros. Estes empreendem longas viagens, no intento de aumentar a sua bagagem de conhecimentos, ou correspondem--se, recorrendo à cifra, de país para país, de reino para reino. Disputam-se os manuscritos dos grandes adeptos, os do panapolitano Zózimo, de Ostanes, de Synesius; as cópias de Geber, de Thazes, de Arthephius. Os livros de Morieno, de Maria a Profetisa, os fragmentos de Hermes negociam-se a peso de ouro. A febre apodera-se dos intelectuais e, com as fraternidades, as lojas maçónicas, os centros iniciáticos, os assopradores crescem e multiplicam-se. Poucas famílias escapam ao pernicioso atractivo da quimera dourada; bem raras são aquelas que não contam entre os seus um alquimista praticante, algum caçador de impossível. A imaginação campeia à larga. A auri sacra famis arruína o nobre, desespera o plebeu, esfaima seja quem for que nela cai e só aproveita ao charlatão. "Abades, bispos, médicos, eremitas – escreve Lenglet-Dufresnoy**** –, todos se ocupam de alquimia; era a doidice do tempo, e sabe-se que cada século tem uma que lhe é peculiar; mas infelizmente esta reinou mais tempo do que as outras, e nem sequer passou de todo"." Fulcanelli continua: "O século XV marca o período glorioso da ciência e excede ainda os precedentes, tanto pelo valor quanto pelo número dos mestres que o ilustraram. A partir desse momento, o hermetismo cai no descrédito. Mesmo os seus partidários, exasperados com o insucesso, voltam-se contra ele. Atacado por todos os lados, o seu prestígio some-se; decresce o entusiasmo, a opinião modifica-se. Operações práticas, coligidas, reunidas, e depois reveladas e ensinadas, permitem aos dissidentes sustentar a tese do nada alquímico, arruinar a filosofia lançando as bases da nossa química actual. Séthon, Venceslau Lavínio de Morávia, Zacário, Paracelso, são, no século XVI, os únicos herdeiros conhecidos do esoterismo egípcio, que a Renascença renegou depois de o ter corrompido. Rendamos, neste passo, uma suprema homenagem ao ardente defensor das verdades antigas que foi Paracelso; o grande tribuno merece da nossa parte um eterno reconhecimento, pela sua última e corajosa intervenção. Embora vã, ela não deixa de constituir por isso um dos seus mais belos títulos de glória." No parágrafo seguinte, ele diz: "A arte hermética prolonga a sua agonia até ao século XVII, e extingue-se por fim, não sem ter dado ao mundo ocidental três rebentos de grande envergadura: Lascaris, o Presidente d’Espagnet e o misterioso Eireneu Filaleuto, vivo enigma de que jamais foi possível descobrir a verdadeira personalidade." Em seguida, conclui: "Com o seu cortejo de mistério e de desconhecido, sob o seu véu de iluminismo e de maravilhoso, a alquimia evoca todo um passado de histórias remotas, de narrativas miríficas, de testemunhos surpreendentes. As suas teorias singulares, as suas receitas estranhas, a fama secular dos seus grandes mestres, as controvérsias apaixonadas que suscitou, o favor que desfrutou na Idade Média, a sua literatura obscura, enigmática, paradoxal, parecem hoje exalar um cheiro a bafio, de ar rarefeito, que adquiriram, com o longo contacto dos anos, os sepulcros vazios, as flores mortas, as casas abandonadas, os pergaminhos amarelecidos."

Perguntamo-nos: o que está acontecendo com a arte? Não é assustadoramente similar o que nos conta Fulcanelli e o que se passa com a arte contemporânea – que, no entanto, a massa crédula ainda se alegra em celebrar? Mas façamos um esclarecimento: há uma grande diferença – infelizmente percebida por poucos – entre arte (essa força intemporal contida nas obras dos artistas verdadeiros) e mundo da arte (essa indústria de entretenimento que agora agoniza e derrete). É verdade que a maioria ansiosa dos "artistas", em busca de reconhecimento por parte de seus contemporâneos, prefere se calar, pois esse tipo de discussão "não se usa". Mas, felizmente, nem todos são assim.

Se a arte se esvaziou de sentido a partir do Impressionismo, nos últimos trinta anos chegou a não mais poder. Como condenar aqueles que não têm a mínima paciência para visitar mostras e Salões? O século XX é o século da ruptura e da transgressão, idéias que, no mais das vezes, se fundamentam na simples e constante obsessão pelo "novo" – que agora se transformou em nada mais do que a enjoativa repetição de um hábito. As mercadorias ("obras de arte", como declaram seus orgulhosos autores) que em geral se vê nas exposições, bienais, e na famosa Documenta, entediam tão facilmente que logo precisam ser substituídas, sejam de cera, de renda ou "naturais". E, para se defender da eternidade, os próprios artistas completam o serviço, "questionando a durabilidade da matéria". Que espaço terá a arte do século XX na futura História da Arte – se é que o futuro terá alguma arte e a arte alguma História? Reflete com sabedoria Octávio Paz****: "Hoje assistimos ao crepúsculo da estética da mudança. A arte e a literatura deste fim de século perderam paulatinamente seus poderes de negação; há muito tempo suas negações são repetições rituais, fórmulas suas rebeldias, cerimônias suas transgressões. Não é o fim da arte, é o fim da idéia da arte moderna. Ou seja: o fim da estética fundada no culto à mudança e à ruptura." Esperemos que sim.
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Belo Horizonte, agosto de 1997.
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*Fulcanelli, AS MANSÕES FILOSOFAIS, Lisboa, Edições 70, 1965. Título original: LES DEMEURES PHILOSOPHALES, copyright 1965 Jean-Jacques Pauvert, éditeur. Primeira edição: 1929.
**Julius Evola, A Tradição Hermética, Lisboa, Edições 70, 1971.
***N. do A.
****Lenglet-Dufresnoy, Histoire de la Philosophie hermetique, Paris, Costelier, 1742.
*****Octávio Paz, A Outra Voz, São Paulo, Livraria Siciliano, 1990.

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CUIDADOS QUE DEVEMOS TER PARA COM O MANOEL DE BARROS

– Para Manoel de Barros –

Antes de tudo é preciso que haja um princípio alquímico. Este princípio será uma casa com varanda larga de onde se possa sentir às vezes um cheiro muito suave de musgo e flores. Muito limpa. Em lugar com ar muito puro. Toalha branca de mesa. Cheiro de sol. Uma brisa (com cheiro) de mata depois da chuva deve, durante o dia, atravessar a casa de vez em quando – sem ser de propósito. À noite a brisa deve ser de jasmim, manacá e lírio. Deve haver também brisa de rio (sobretudo à tarde, e um pouquinho antes de ir dormir), daquelas que flutuam dez centímetros acima da superfície, e às vezes sobem mais alto para encontrar o vento. Essa brisa deve lembrar levemente o pôr-do-sol quando passar pela casa à tarde, e lembrar tardes na beira do rio quando passar pela casa à noite. Deve haver doçura, para combinar com o Manoel. E claridade, para combinar com o Manoel.

Na varanda haverá cadeiras com encosto bem confortável, para que o Manoel possa sentar-se e fechar os olhos. E assim ver o chão do jardim, o quintal, a beira do rio. É nesse momento que começa o milagre.

Deve haver uma forma de os passarinhos poderem ver o Manoel, sentado na varanda, ou andando pela casa, ou cuidando de plantas com o olhar. As plantas gostam muito disso. Uma prova é que florescem.

As flores do Campo Grande, quando descobriram o Manoel, conversaram entre si. Com voz de perfume suave. Houve certo alvoroço. É verdade. Alice ouviu.

As janelas da casa devem ficar abertas durante o dia para que os passarinhos possam agradecer ao Manoel pelo que ele fez por eles ao escrever o seu tratado sobre passarinhos, que eu, sem o Manoel saber, distribuí por todos os ninhos e árvores. Houve comentários e alegria entre os passarinhos. As flores ficaram escutando. E entenderam. As árvores altas também, e continuaram no seu êxtase. Alguns insetos custaram um pouco a ouvir. Mas conseguiram. Não demorou muito – gastou só o canto de um sabiá.

O modo que os passarinhos usam para agradecer é bem característico: continuam voando, cantando, pousando nos muros, nas janelas, nas árvores. Continuam fazendo os seus ninhos, pondo ovos e tendo filhotinhos.

(A natureza se sente muito bem com isso. Se não houvesse passarinhos não sei se a natureza aguentava)

E continuam bicando a água dos rios no vôo de passagem. Esta parte é importante porque os passarinhos não podem ficar com sede. Vejam sobre isto no tratado do Manoel. Não está escrito mas tem lá. É um tratado muito completo.

Tem coisa que não está escrita mas a gente pode ler – a poesia, por exemplo.

Deve haver caramujos no jardim (e na base das paredes externas da casa; e nos muros, é claro – qual é o muro que se preze que vive sem caramujo?). E coisas para eles comerem – como para os passarinhos. Inclusive água. Caramujos comem água, não bebem. Por isto são meio líquidos. O resto vem da amizade que há entre eles e os riachos.

Porque não é possível que vocês vão querer que o Manoel passe sem caramujos! Ora, se não houver caramujos, de onde vai vir o eterno? Para qualquer caso vejam tudo no tratado do Manoel. Eu estou só recordando os princípios. Isto faço porque cuido muito bem das coisas do Manoel: caramujos, ciscos, vento. Não deixo faltar nada. Senão a poesia vai embora balançando os braços descontente dizendo "assim não dá". E, se não houver ciscos no jardim, periga não haver passarinhos. Então, como é que vai ser?! Sem passarinhos não há condições. Vocês sabem que sem eles os caramujos nem saem das casas? E pois. Nem cantam nem nada.

Claro que caramujos cantam! Principalmente quando vão chegando... Quem é que pode vir do eterno sem cantar?

Deve haver outras coisas pelo chão do quintal: vidrinho sem tampa com um pouco de areia dentro, besouro virado se mexendo – que depois se desvirará e voará –, pedaços de barbante, ciscos, formigas, pregos enferrujados etc.

No mais, só preciso fazer um contato com a calma, escrever-lhe uma carta. Para que ela nunca deixe a casa. Ela pode ir passear, ou ficar pela varanda, na hora do movimento. No almoço, por exemplo. No almoço é preciso que haja certo movimento. Senão nem os passarinhos entendem. Quando eles ficam olhando muito, vocês podem saber que é por causa de silêncio excessivo na hora do almoço. E talvez por algumas migalhas de pão em cima da mesa.

Sérgio Nunes
Belo Horizonte, 6 de março de 2002

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Entre EU e ME
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A propósito de um título e outras coisas parecidas
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Um trabalho “de arte” é um gracejo de um artista para uma sociedade que não quer saber dele.
Eu não tenho nada contra o artista que o faça.
Nem contra a sociedade.
O artista não é uma divindade.
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A arte não tem função social.
Ela é uma indiferença da sociedade.
O fato de a arte ser uma indiferença da sociedade não define “arte”.
A não ser o de indiferença, a arte não tem nenhum outro sentido social.
A não ser o social, a arte não tem sentido.
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Eu não sei o que é arte.
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Eu não sei o que não é arte.
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Em geral, quando as pessoas vão a uma exposição, elas são mais vistas pelos quadros do que os vêem.
Quando as pessoas vão a uma exposição para verem os quadros elas não os vêem também.
Eu estou de acordo com todas essas pessoas.
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O artista não cria.
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O artista só cria quando não precisa.
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A pessoa cria quando não precisa e não precisa criar quando precisa.
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O artista e a pessoa são o mesmo.
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Se eu fosse artista eu não faria arte.
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A não ser um artista, eu não sou nada.
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O homem amadurece do final da vida para o início.
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Sérgio Nunes
1984

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RECEITA – SAIS DE POESIA
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(NOTA INTRODUTÓRIA)
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“RECEITA - SAIS DE POESIA” é um texto de caráter poético. Foi baseado em uma receita homeopática (“SAIS DA SAÚDE”, “SAIS DE URINA” ou “AUTO-VACINA DE URINA”) – abaixo descrita – produzida no México, que tem curado enfermidades graves como o câncer e a AIDS. Se a pessoa é saudável, serve para a desintoxicação do organismo e a prevenção contra várias doenças. A receita “SAIS DE URINA” é aqui descrita resumidamente, para que se compreenda o texto que vem a seguir.
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SAIS DA SAÚDE (SAIS DE URINA)
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1.Colher 5 litros de sua própria urina – em galão de cor âmbar –, adicionar 3 litros de álcool de cana (Etanol) e revolver várias vezes ao dia – durante três dias.
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2.Em seguida, deixar o galão (com a urina e o álcool) repousar por 5 dias. No fundo do galão ficará um sedimento (sais de urina), que deve ser colhido e separado através de destilação em alambique aberto a fogo lento.
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3.Destilar novamente - igualmente em alambique aberto e a fogo lento - o líquido previamente destilado (urina + álcool). Primeiro será destilado o álcool, depois a urina, ficando no fundo do recipiente os sais. Estes sais devem ser colhidos e misturados com os primeiros sais.
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4.Dissolver os dois sais misturados (aprox. 20 gramas) em 100 ml de água destilada. Acrescentar 50 ml. de álcool de cana. Rejeitar o líquido (urina) destilado.
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5.Posologia (revolver antes de usar): 1º dia: tomar 9 gotas pela manhã, em jejum. 2º dia: repetir a dose. 3º dia: repetir a dose. A partir do 4º dia, tomar 9 gotas três vezes ao dia (entre as refeições – com o estômago vazio) durante 15 dias. Descansar por uma semana e recomeçar o tratamento. Ingerir, desta forma, todo o conteúdo do frasco. O preparado caduca em aproximadamente dois meses. Se necessário, repetir a receita.
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Efeitos: É produzida uma reação febril (por estímulo das defesas) que pode ser acompanhada por algumas diarréias esporádicas e suores. Se a febre for muito alta, parar por três dias e recomeçar o tratamento.
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Estes Sais de Urina possuem qualidades prodigiosas.
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ATENÇÃO: para o caso de você querer utilizar a receita “SAIS DE URINA”, deve ser feita uma pesquisa mais profunda sobre a sua preparação e sobre a sua posologia, já que no texto acima ela está resumida.

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RECEITA
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(HOMEOPATIA)
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INDICAÇÕES: DESENHO / AQUARELA / PINTURA / ESCULTURA / OBJETO / INSTALAÇÃO / OUTROS
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(De como separar a alma do corpo, amalgamar e coagular)
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SAIS DE POESIA
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Preparado 1:
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1.Colher – em recipiente de cristal puro – as primeiras dores e angústias da manhã: solidão, rejeição, ausência, espera, saudade (total: 12 a 15 ml.). É importante que sejam as primeiras da manhã, pois ainda trazem uma mescla de sonho. O abandono deve ser rejeitado, mas deve ser colhida a dor de rejeição do abandono.
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2.Deixar o recipiente em local fresco e seco, durante 30 minutos, revolvendo várias vezes (de cinco em cinco minutos).
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3.Acrescentar 3 ml. de orvalho existencial destilado – colhido ao romper do dia – e revolver.
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4.Deixar repousar por 15 minutos. No fundo do recipiente ficará um sedimento (sais de sentimento – aprox. 7 g.) puro e cristalino, que deve ser colhido e separado.
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5.Destilar o restante do líquido em alambique de vidro a fogo lento. Colher os sais que ficarão no alambique (aprox. 3 g.).

Nota: o líquido destilado deve ser rejeitado, mas a dor dessa rejeição pode ser usada para outras ocasiões – ou para o dia seguinte.
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6.Misturar os dois sais.
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7.Diluir os dois sais misturados (aprox. 10 g.) em 30 ml. de água de espírito (puro) destilada 30 vezes. Não destilar a água de espírito mais de trinta vezes, para que não perca as essências cristalinas etéreas/voláteis (vitríolo espiritual puro).
(Água de espírito = água espiritual – naturalmente).
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8.Acrescentar perfumes inalados e cores vistas de flores (3 ml.) durante a semana (violeta, lírio, sempre-viva, manacá, orquídea, maracujá, dama da noite, jasmim – outras). Acrescentar outros perfumes (etéreos – 2 ml.). Revolver docemente. Não acrescentar açúcar.
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Preparado 2:
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1.Destilar 3 vezes a água dos sonhos da noite (50 a 100 ml.). Separar e calcinar os sais (sais de sonho – aprox. 5/10 g.) para purificá-los das partes inúteis e de eventuais pesadelos.
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2.Diluir os sais de sonho calcinados na água dos sonhos da noite destilada, revolvendo branda e lentamente. Assim, os sais de sonho purificados serão revivificados.
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Misturar os Preparados 1 e 2. Revolver e deixar repousar. Guardar em recipiente de vidro tampado (de preferência com rolha de cortiça, por causa do som da rolha ao entrar ou ao sair do gargalo do vidro. Para quem tem gastura do som da rolha de cortiça: utilizar rolha de outro material ou tampa comum).
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Posologia: uso interno / revolva antes de usar: 1º dia: pingar nove gotas no coração, em jejum emocional. 2º dia: pingar sete gotas no coração, em jejum sentimental. 3º dia: pingar cinco gotas no coração, em jejum existencial. Repetir duas vezes esta dosagem (por outros seis dias).
Se tiver angústia ou saudade agudas, parar por três dias e recomeçar.
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Usar quando necessário – seguindo a posologia acima. O preparado não caduca.
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Serve para: purificação. Pode ser também usado como fonte de inspiração.
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DESENHO
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Fazer os estudos preparatórios.
Para desenho/obra: utilizar o preparado acima – mesclado com essências de observação e raciocínio + sais complementares de calma e ânimo.
Nota: estes sais complementares de calma e ânimo devem vir da alma-consciência (parte volátil) e do corpo (parte fixa). Para isto, ver: tranqüilidade, relaxamento e alimentação (naturais).
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AQUARELA
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Entrar no ateliê. Preparar o material. Estender o papel. Preparar o recipiente com água destilada – onde será molhado o pincel –, acrescentando 3 gotas de cada um dos preparados acima (preparado para desenho/obra e sais de poesia).
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No caso de aquarela/estudo: diluir 10 ml. do preparado para desenho/obra em 50/100 ml. de água (destilada ou filtrada) – ou conforme o tamanho do papel.
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Obs.: no recipiente com água destilada – onde se molhará o pincel – acrescentar: perfume (etéreo) de violeta: para paisagens de finais de tarde; de jasmim: para estudos e anotações; de lírio: para figuras e retratos; de orquídea: para obras abstratas. (Esta ordem pode ser alterada). Pode-se trabalhar no ateliê ou no campo.
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PINTURA
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1. 10 ml. de água de alma destilada (colher os sais e separar).
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2. 25 ml. de água de espírito (puro) destilada (colher os sais e separar).
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3. Misturar os sais. Diluir em 50 ml. de água de existência. Acrescentar perfumes de flores inalados durante o mês + 1 parte de mistério da manhã + 1 parte de mistério da luz do dia + 3 partes de serenidade do final da tarde + 2 partes de melancolia do pôr-do-sol.
(Nota: os mistérios da noite já estão contidos nos sais de poesia que serão acrescentados – ver ítem 5 abaixo).
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4.Acrescentar os líquidos restantes (água de alma destilada + água de espírito destilada).
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5.Acrescentar os sais de poesia.
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Obs: acrescentar alegria ou não (opcional). No caso de se acrescentar alegria, a medida não deve passar de 3 ml. No caso de alegria destilada, poderá ser acrescentada maior porção. O sorriso pode ser acrescentado. Não acrescentar hilaridade (a não ser que seja destilada – e pingada com vagar e distração). Não acrescentar gosto social nem diversão/entretenimento. Podem ser acrescentados gostos naturais de frutas: morango, amora, damasco, pêssego, nectarina, pinha, manga, jabuticaba, cacau, jaca, etc. Acrescentar toda a naturalidade. Acrescentar prazer, silêncio e atenção – e fazer os preparados com toda atenção. Não é necessário acrescentar pensamento (a não ser para as medidas – mas neste caso o pensamento deve ser abstrato, ou seja, aquele em que palavras não são utilizadas).
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ESCULTURA
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A mesma quantidade: 10 ml. de água de alma destilada + 25 ml. de água de espírito (puro) semi-destilada (ou seja: uma parte de água de espírito puro destilada / uma parte de água de espírito puro não destilada). Diluir em água pesada. Coagular com o corpo.
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OBJETO
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O mesmo preparado para ESCULTURA. Diluir em água destilada ou filtrada. Coagular de 10% a 30% deste preparado (resultante) com o corpo.
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INSTALAÇÃO
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Mesclar alma + espírito. Espalhar pelo ambiente. Pingar essências/perfumes de flores (inalados durante o ano – diluídos em água de existência) nos objetos utilizados.
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Nota (1): para ESCULTURA, OBJETO e INSTALAÇÃO pode-se/deve-se acrescentar os preparados para DESENHO, PINTURA e AQUARELA, bem como os perfumes etéreos e os sais de poesia.
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Nota (2): o espírito utilizado deve ser sempre puro. A alma é sempre pura, e já vem incluída nas matérias. Em alguns casos, a água de alma deve ser destilada para perder a umidade supérflua e as escórias religiosas. Em outros, não.
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Para alquimia: acrescentar Prata ou Ouro puros – dependendo da Obra.
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Nota: arte e alquimia são a mesma coisa: a arte é arte e ciência. A alquimia é ciência e arte. A arte é alquimia e a alquimia é arte. A Prata da arte é a paz, o Ouro é o amor. Tudo isto contém ENXOFRE / MERCÚRIO / SAL.
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CONCEBIDO AO ACORDAR
ESCRITO DURANTE O DIA
REFLETIDO DURANTE A NOITE
EM LINGUAGEM CIRCULAR
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Sérgio Nunes – Belo Horizonte – junho/1998

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