POEMAS

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SEGREDO
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Uma varanda
Uma estante
onde se guarda o fio
que leva ao bosque da nossa vida silenciosa:
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a nossa infância quase esquecida.
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E mágica
como uma nuvem,
pendendo de um varal interno
e secando pouco a pouco ao sol,
segura por frágeis, invisíveis pregadores que,
ao apertar a ponta supostamente dolorida
de um antigo sentimento,
fazem voltar
(como ponta ou seta indicando)
os sonhos que lá não vivemos,
e que ainda flutuam, suspirando,
buscando em forma de poema,
outras novas manhãs a brincar.
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Sérgio Nunes
1980
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POEMA SOBRE A INFÂNCIA
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Quando eu era pequeno
E tinha tempo para ver a chuva
Que olhava despercebidamente pela janela,
Eu não sabia que a chuva existia como fenômeno natural,
E por isto ela existia.
E o que eu sentia enqüanto a olhava
Era como se a amasse com calma e esquecimento,
Ou como se houvesse entre nós
Alguma espécie de paixão suave e nítida.
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Eu sentia que a chuva
Era como as pessoas que eu olhava e que gostavam de mim,
Pois não estranhavam meu olhar nem sorriam simplesmente.
Se sorriam
Era para que delas alguma coisa eu visse, ou sentisse,
Que vinha de dentro e que tinha calor ou frescor.
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Hoje me é difícil
Por esta vidraça embaçada
Falar da chuva que cai.
Mas é o que posso fazer
Para que diante de mim a sinta,
Ou para que ela a mim volte,
Nem que seja para ser vista
Da janela de não sei mais quem sou,
Ou da idéia de chuva, que só existe quando falta a infância
Que vejo sem olhar, e que cai longínqua
Sobre o pasto e sobre os cavalos esquecidos,
Como a chuva azulada, cujo único dever e vontade
É o de ir caindo plenamente,
Afagando a natureza e a relva,
Até onde não a vejo mais.
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Sérgio Nunes
Dezembro / 1987
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O MEU CORAÇÃO É BRANDO
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O meu coração é brando.
Assim, de nada mais precisa.
De nenhum alto, castelo ou torre,
Ou de qualquer força concisa.
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Basta que olhe a madrugada
Com olhos que não precisam ver.
E aquele vulto, ali na estrada,
Nada mais é do que é: ser não ser.
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Outrora havia princípios,
Outrora havia o fundo.
E hoje nada mais há
Que meu coração e o mundo.
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Assim é suficiente
Como a água que enche o copo.
Nada tenho a esperar,
Nem de certezas me dopo.
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Sérgio Nunes
3 / julho / 1996
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